domingo, 3 de maio de 2009

desigualdades irreconciliáveis

Nada perturba mais do que a desigualdade social. Some-se a isto a descrença em qualquer possibilidade de alteração desse quadro, a desigualdade se transforma em situação insuportável.

É comum escutar expressões como “o Brasil é o país dos contrastes” ou “o Brasil é um país feito de diferenças”, expressões que vão sendo tomadas, de tanto serem repetidas, como verdades sobre a essência da condição do país. É difícil concordar com tais afirmações e mais difícil ainda permanecer indiferente a elas. Afirmações como essas tendem a disfarçar os problemas sociais do Brasil, colocando-os atrás de um falso véu de positividade. Contrastes e diferenças podem ser bons e pressupõe complementaridade.

O exemplo mais objetivo talvez advenha da teoria das cores. Cores contrastantes são ditas complementares: vermelho e verde, azul e laranja, amarelo e roxo. Isso sem falar de preto e branco. Na pintura uma das técnicas mais conhecidas é o claro e escuro, em que se explora o contraste entre luz e sombra. Na música, na dança, na arquitetura, os contrastes são explorados com o objetivo de atribuir qualidade à obra ao ampliar as possibilidades de prender a atenção do espectador. Quanto mais inusitado o contraste, maior a atenção do espectador.

O mesmo ocorre com a diferença, que grosso modo, poderia ser sinônimo de contraste por seus efeitos similares. Então, é desejável que a cidade possua zonas diferentes em seu tecido, como a zona residencial, comercial, industrial. É bom que um grupo de pessoas comporte diferenças a fim de enriquecer o relacionamento, seja profissional, de amizade ou outro qualquer. Pensar em diferença tende a conduzir a idéia de diversidade. Diferença, ou diversidade, cultural, de classe, étnica e por aí vai. Diferenças não pressupõem um melhor que o outro, um mais outro menos, não implicam valorações ou escalas de valor, melhor, pior.

Contudo, não acho justo que tais expressões sejam usadas para explicar ou pensar nosso país. Elas mascaram a condição de desigualdade. Pensar em desigualdade pressupõe encarar a realidade tal como ela é, desigual, um melhor outro pior, um mais outro menos. A desigualdade traz em si o injusto. Vejamos exemplos: desigualdade no placar de um jogo; um ganha, outro perde. A divisão desigual de uma barra de chocolate: um mais outro menos.

Portanto, o Brasil é um país de desigualdades. E não são quaisquer desigualdades, mas desigualdades irreconciliáveis. Sim, porque há interesses em mantê-las como estão, bastante desiguais mesmo. Sim, porque tais desigualdades irreconciliáveis são uma condição histórica em nosso país. Apenas para citar um exemplo genérico, basta ver 1808, de Laurentino Gomes. Trata-se de um excelente trabalho jornalístico que demonstra como nada mudou nos últimos 200 anos no Brasil.

Assim, é possível concluir que esse país, nos anos vindouros, no futuro ou, para ser mais realista [ou pessimista] jamais contará com justiça social, nem proverá educação e saúde de qualidade digna para todos, muito menos permitirá uma distribuição de renda menos desigual.

Um comentário:

O Lacombe disse...

Isadora disse...
As classes média e alta não podem nem imaginar como ficariam sem empregados domésticos, sem drogas disponíveis nas favelas, sem poder comprar aquilo que quer ou desagrada. Redução das desigualdades sim, desde que eu tenha que mudar em nada meu ritmo de vida, meu poder de compra, meu lugar no trabalho.
Vejo isso em sala de aula, como preconceito que existe com os alunos de Prouni e o discurso doído de alguns. A questão é longa e a resposta muito demorada.

3 de Maio de 2009 10:21


Eliane disse...
Oi Octávio,
como sempre escrevendo coisas maravilhosas. Parabéns por esse espaço. A desigualdade na minha opinião é uma mácula na sociedade , sempre existiu no Brasil, e com raízes tão profundas se mantem inalterada principalmente pelo preconceito mascarado que existe. Me dói muito saber disso, saber que o Brasil é o país das grandes diferenças. Sei que existem outros países assim, mas eu nasci nessa terra e amo de coração.
Beijão e parabéns pela proposta.
Eliane.

3 de Maio de 2009 19:46
comentarios importados por Octavio