terça-feira, 25 de agosto de 2009

lições americanas

Acabo de reler, há poucos dias atrás, 'Seis propostas para o próximo milênio' [Companhia da Letras, 1990], de Italo Calvino. Esse é, na verdade, o subtítulo do original, que tem como título o mesmo desse post. A tradução da Companhia das Letras não usou o título, apenas o subtítulo. Comecei a ler os livros de Calvino por influencia de um professor que foi, antes de tudo, um grande amigo. Nunca mais o vi depois que saí da faculdade. Soube a um tempo atrás que o Cininho [diminutivo de Alcino] andava lá pelas bandas de Brotas.

O primeiro livro de Calvino que li foi 'As cidades invisíveis'. Depois li as Seis propostas e então não parei mais. Os meus preferidos são ‘Os amores difíceis’ [que inclui ‘A nuvem de Smog’ e ‘A formiga Argentina’, finalmente lembrei onde tinha lido esse conto em português], ‘Marcovaldo’ e ‘Palomar’ [todos pela Cia das Letras]. Agora estou relendo ‘Palomar’ e os outros livros já estão na minha mesa de cabeceira.

As lições foram escritas para serem proferidas como palestras na Universidade de Harvard no ano letivo 1985-86. Seriam palestras sobre valores que Calvino considerava importantes para a literatura e que ele achava iriam marcar as letras do próximo milênio [esse milênio em que vivemos]. Segundo Esther, sua mulher, Calvino tinha idéias para mais duas lições além das seis e a oitava teria o título ‘Sobre o começo e o fim’. Calvino não chegou a escrevê-la, assim como não escreveu a sexta lição, Consistência. As outras 5 lições são: Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade. Se havia a idéia para 8 lições, qual seria a sétima?

Das 5, a que mais me toca é exatidão. O motivo é justamente, segundo explica Calvino, o oposto de exatidão que ajuda a definir o conceito: vago, indefinido. Outro motivo, talvez, que me faça gostar mais da lição sobre exatidão seja o fato de que Calvino fale algumas coisas com as quais me identifico muito. Transcrevo uma passagem:

‘Creio que meu primeiro impulso decorra de uma hipersensibilidade ou alergia pessoal: a linguagem me parece sempre usada de modo aproximativo, casual, descuidado e isso me causa intolerável repúdio. Que não vejam nessa reação minha um sinal de intolerância para com o próximo: sinto um repúdio ainda maior quando me ouço a mim mesmo. Por isso procuro falar o mínimo possível e se prefiro escrever é que, escrevendo, posso emendar cada frase tantas vezes quanto ache necessário para chegar, não digo a me sentir satisfeito com minhas palavras, mas pelo menos para eliminar as razões de insatisfação de que me posso dar conta. A literatura – quero dizer, aquela que responde a essas exigências – é a Terra Prometida em que a linguagem se torna aquilo que na verdade deveria ser.’ [p.72]

Eu também acho que a linguagem é bastante maltratada e, por isso, não gosto de falar muito, prefiro economizar porque sei que maltrato a língua, por preguiça, vício, desleixo. Assim, também prefiro escrever. Sei que no papel posso ir e vir, ler e rever, num esforço contínuo pela busca da forma mais adequada ou mais bem-tratada. E olha que fui professor e vivi de falar o que pensava por muitos anos. E não era um mau professor. Quando escrevo, sou mais claro, mesmo sendo vago. Mas não chego aos pés de Calvino, seria muita pretensão. Em Calvino, a linguagem é aquilo que deveria ser.

2 comentários:

Glória disse...

Fiquei muito curiosa para conhecer a literatura de Calvino. Eu amo a linguagem, as letras, as palavras, a escrita. Também observo esse maltrato à linguagem.
Quem tem filhos ou contato com crianças e adolescentes, sabe que estamos numa "era" de total descaso com a linguagem escrita ou falada.
Teria o computador culpa nisso ? Temos bons livros aqui em casa, apropriados para cada idade, mas o interesse deles é mínimo.
Observo que no ano passado minha filha de 10 anos fez apenas tres redações na escola... e nas reunões de pais, a resposta para essa minha insatisfação, é sempre uma tentativa de me convencerem do X método escolhido, e do Y resultado a se obter. O único resultado que vejo é de uma grande dificuldade em se expressar, em criar, seja na escrita, seja na oratória.
A filha de 16 anos faz insatisfeita e aos atropelos, redações como treinamento para o vestibular...
Redações pobres de conteúdo, com erros ortográficos e idéias confusas. Existe uma preguiça, como uma massa plamática que envolve esses seres. Uma preguiça intelectual avassaladora.
O de oito anos não usa o plural ! E então eu passo todo o tempo repetindo a frase no plural, (não repito o errado): - FORAM tres gols. - A Maria e o João ESTÀO vindo para cá. E também o uso do EU antes dos verbos: - eu fazer, eu chegar, eu brincar, eu comer. Ele insiste no MIM fazer, MIM comer. (arrepios...) Eu me pergunto - quem fala errado com esse carinha ? Com quem ele aprende a falar desse jeito, meu Deus ?!
Sei que no post, você falava do fino trato ã linguagem, mas por enquanto aqui em casa ainda estou tentando ajudar para que não falem errado...
O ápice do meu desejo, seria que tivessem esse fino trato, clareza nas expressões, vocabulário rico, apropriado. Criatividade.
Sim porque é tão importante comunicar-se bem...

Glória disse...

And by the way... essa foto do Sr. Calvino...
Que figura intrigante, não ?